
Um anúncio meio em tom de brincadeira que mexe com o circuito
Bastou uma frase para incendiar o US Open 2025: Djokovic disse que quer treinar João Fonseca quando pendurar a raquete. Soou como meia brincadeira, mas com um fundo bem sério. Em conversa com a imprensa no torneio, o sérvio abriu uma janela rara sobre o próprio futuro e, de quebra, apontou um possível herdeiro para investir tempo e conhecimento. “Meu plano depois de me aposentar do tênis é treinar o [João] Fonseca”, cravou. Na sequência, soltou a ironia que virou manchete: “Vou ser bem caro para ele”.
O comentário não veio do nada. Ao longo de 2025, o número 1 em semanas no topo do ranking da ATP vem repetindo elogios ao brasileiro. Em março, no Miami Open, ele descreveu Fonseca como assunto do circuito e destacou a solidez mental de um garoto que ainda está no começo no nível mais alto. Depois de uma vitória na terceira rodada, Djokovic detalhou o que enxerga no carioca: potência dos dois lados, saque pesado e jogo completo para a idade. Mais do que a batida na bola, segundo ele, impressiona a forma como o jovem lida com a pressão.
Esse pano de fundo explica por que a fala em Nova York ganhou corpo. Não é só o melhor jogador da era moderna bajulando um talento promissor; é um veterano de 37 anos, com quilometragem infinita em grandes palcos, sinalizando que pretende transformar admiração em trabalho. E isso, no tênis, é uma proposta que muda carreiras.
Do outro lado dessa história está João Fonseca, 18 anos, jogo agressivo e presença de quadra que costuma puxar a torcida. Em 2025, ele voltou a chamar atenção com a combinação de forehand pesado e energia contagiante — marca que o acompanhou desde os tempos de juvenil. Em Nova York, mostrou que não está ali só para aprender: venceu Miomir Kecmanovic na primeira rodada e confirmou o burburinho em torno do seu nome.
O contraste é evidente: Djokovic faz a 14ª campanha em Miami, Fonseca debutou no torneio neste ano; quase 20 anos separam os dois. Mas é justamente essa distância que cria um tipo de ponte interessante. O sérvio enxerga no brasileiro algo que o move: ambição, agressividade e vontade de competir em alto volume. Se virar parceria de verdade, o pacote não é só técnico — é um dossiê de sobrevivência no topo.

O que significaria Djokovic no comando de Fonseca
Djokovic sabe o que é ser moldado por uma equipe. Cresceu com Marian Vajda, refinou o saque e a mentalidade com Goran Ivanisevic, e ao longo da década reuniu fisiologistas, preparadores e analistas em torno de uma ideia simples: desempenho repetível sob pressão máxima. Se levar essa cartilha para Fonseca, o brasileiro teria acesso a um método testado em finais de Slam e em temporadas de 70, 80 jogos.
O ponto de partida seria potencializar o que já é forte. Fonseca se apoia no forehand e na presença ofensiva, especialmente em quadras rápidas. Com um técnico do tamanho de Djokovic, a tendência é transformar potência em porcentagem: mais pontos curtos quando preciso, mais trocas controladas quando o dia não está perfeito. Aquilo que separa uma boa semana no circuito de um ano consistente.
Há também o componente mental. Djokovic sempre tratou rotina como arma, do aquecimento ao último ponto. O recado para um atleta de 18 anos seria direto: concentração é treinável, não só talento. Isso passa por controlar a respiração em pontos de pressão, negociar com o nervosismo em tie-breaks e não deixar um set ruim contaminar o seguinte. Parece simples dito assim, mas é onde os jogos realmente viram.
O custo? A própria piada do sérvio sugere que não seria barato. Times de ponta no tênis envolvem técnico principal, preparador físico, fisioterapeuta e, às vezes, analista de dados — todos viajando pela temporada. Além do investimento financeiro, há a logística: construir calendário, definir blocos de treino e escolher onde correr riscos e onde colecionar vitórias para subir no ranking. Um técnico estrela eleva o nível, mas também exige uma estrutura em volta para a ideia dar certo.
Para o Brasil, a imagem é poderosa. O país viu Gustavo Kuerten chegar ao número 1, vibrou com finais e títulos no saibro, e depois passou anos buscando continuidade no topo. Ter o maior vencedor da era moderna disposto a orientar um talento brasileiro coloca holofote e responsabilidade. Atrai patrocinadores, abre portas para treinos com a elite e acelera o aprendizado — especialmente nas semanas em que os resultados não aparecem.
O que exatamente Djokovic poderia ajustar no jogo de Fonseca? Três frentes chamam atenção: devolver melhor, proteger o serviço sob pressão e variar altura e peso de bola para não oferecer ritmo ao adversário. É um roteiro clássico, mas aplicado com detalhe fino: posicionamento 20 centímetros mais para trás em segundos saques agressivos do rival; escolha de alvos mais conservadores nas devoluções quando o placar aperta; e uma janela maior para o uso do slice e das bolas mais altas quando o forehand sólido do oponente começa a entrar.
- Saque e primeiro golpe: transformar bons serviços em pontos “curtos” e previsíveis, com padrões claros nas horas decisivas.
- Devolução: consistência em blocar segundos saques e alternar profundidade para tirar tempo do adversário.
- Gestão de pontos grandes: rotinas entre pontos, respiração e gatilhos mentais para tie-breaks e 0-30 contra.
- Calendário e carga: escolher torneios que casem com o estágio de desenvolvimento, evitando picos e vales exagerados.
Há quem alerte para o risco do hype. É justo. O circuito está faminto por novas estrelas depois da era de Federer, Nadal e do próprio sérvio, e é fácil acelerar etapas quando o talento aparece. A diferença, aqui, é que o endosso vem de alguém que conhece o caminho inteiro — das primeiras quartas de Slam às temporadas de domínio. Isso não elimina percalços, mas reduz o improviso.
Vale lembrar: Djokovic não falou em datas, nem em acordo fechado. Ele ainda está jogando o US Open, e Fonseca está construindo experiência rodada a rodada. Por enquanto, é uma janela para o futuro — e uma negociação pública, em tom bem-humorado, que coloca o brasileiro no radar mais forte do tênis mundial.
Como isso se encaixa no curto prazo? Se o convite virar projeto, a tendência é começar com períodos de treino em blocos, talvez pós-temporada, com metas claras: elevar o aproveitamento de primeiro saque, reduzir erros não forçados em jogos longos e testar variações de altura e ritmo em quadras rápidas. De resto, leituras de vídeo e simulações de pontos grandes contra sparrings de alto nível.
O efeito colateral dessa conversa toda já foi sentido. Em Nova York, a vitória de estreia sobre Kecmanovic veio com quadra cheia e atenção redobrada nas transmissões. Com a torcida do lado, Fonseca usa o ambiente como combustível — algo que Djokovic, aliás, aprendeu a fazer ao longo da carreira, transformando vaias e pressão em foco. Essa é uma das lições mais difíceis de passar, porque depende de repetição em palcos grandes.
Em paralelo, surgem as comparações. É inevitável falar de Carlos Alcaraz quando o assunto é salto precoce, mas cada trajetória tem um relógio diferente. O espanhol cresceu com a moldura de Juan Carlos Ferrero, um ex-número 1, e o processo foi cheio de ajustes silenciosos antes dos títulos. Se a parceria com o sérvio acontecer, Fonseca teria também uma figura que já esteve no topo — o que encurta o tempo de aprendizado em áreas que não aparecem na estatística do jogo.
Também pesa a questão do corpo. Djokovic construiu carreira com cuidado quase obsessivo com alimentação, recuperação e sono. Para um atleta de 18 anos que tende a jogar de forma agressiva, essa parte é ouro: evita lesões bobas, sustenta semanas consecutivas e ajuda a manter a explosão que é marca do seu estilo. É um ganho silencioso, mas é ali que muitos talentos perdem tração na transição do juvenil para o profissional.
Seja qual for o desfecho, a frase do sérvio já cumpriu um papel: colocou Fonseca no mapa das grandes conversas do circuito. E não por um highlight ou um ponto maluco, e sim por um possível plano de longo prazo. Quando um multicampeão se oferece, mesmo que em tom de brincadeira, o vestiário presta atenção. E o resto do mundo também.
Por ora, Djokovic segue jogando o US Open e Fonseca tenta alongar a campanha para ganhar quilometragem. O futuro, se virar parceria, virá em etapas: alinhar expectativas, testar sessões de treino, medir encaixe de temperamentos. É assim que as grandes sociedades no tênis nascem — devagar, com metas simples que, somadas, fazem a diferença quando a bola pesa.