Quando Nexon Corporation lançou ARC Raiders em outubro de 2025, ninguém esperava que o maior debate não seria sobre sua jogabilidade, mas sobre as vozes que saíam da tela. O jogo, desenvolvido por Embark Studios, bateu recorde de jogadores simultâneos — mais de 700 mil — superando até Helldivers 2. Mas, ao mesmo tempo, críticos acusaram a empresa de usar voz gerada por inteligência artificial de forma desleixada, transformando personagens em robôs emocionalmente planos. A polêmica explodiu quando o escritor da Eurogamer, Rick Lane, chamou o sistema de TTS (text-to-speech) de "agressivamente medíocre". A resposta veio da cúpula: Junghun Lee, CEO da Nexon, afirmou em entrevista publicada em outubro de 2025: "É essencial reconhecer que praticamente todos os desenvolvedores de jogos já usam IA em seus processos internos".
A estratégia por trás das vozes artificiais
Enquanto os jogadores reclamavam de diálogos sem alma, Stefan Strandberg, diretor criativo da Embark Studios, explicou em entrevista ao GamesRadar+: "Nós usamos uma combinação de gravações reais e TTS. A IA não substitui atores — ela completa onde a repetição seria cansativa, ou onde não vale a pena contratar alguém para falar 50 variações de 'estou sob ataque'". A estratégia é clara: uma equipe pequena, um mundo vasto. A Embark, com menos de 150 funcionários, precisa criar conteúdo em escala sem aumentar custos. E a IA, segundo eles, é a única saída viável. "Somos pequenos, mas queremos mundos ricos. A IA nos permite fazer isso sem virar uma multinacional", disse Strandberg.
Isso não é novidade. A mesma abordagem foi usada em The Finals, título anterior da Embark, lançado em 2023. Na época, os fãs já tinham notado vozes "estranhas" — mas o jogo foi bem recebido. Agora, com ARC Raiders, o sucesso comercial forçou o debate para o centro da indústria. O jogo vendeu mais de 3 milhões de cópias nos primeiros 10 dias. Os jogadores, parece, não se importam tanto com a qualidade da voz quanto com a experiência geral.
A indústria inteira está nisso — e não vai parar
As críticas não são apenas de jogadores. Atorres de dublagem nos EUA e na Europa já realizaram protestos, e sindicatos pedem regulamentação. Mas a realidade do mercado é outra. Timothy F. Sweeney, CEO da Epic Games, entrou na conversa com uma visão otimista: "Desenvolvedores competem para fazer os melhores jogos. Quando a tecnologia aumenta a produtividade, o resultado é mais inovação — não menos empregos".
Ele não está sozinho. Jacob Navok, ex-diretor de negócios da Square Enix em Tóquio, postou em X (antigo Twitter): "O público não se importa. Geração Z ama o caos da IA. Eles não querem vozes perfeitas — querem conteúdo constante, rápido, diverso". Ele citou os 482 mil jogadores simultâneos no Steam como prova de que o mercado já decidiu: eficiência vence perfeição.
A Square Enix, por sua vez, planeja substituir 70% das tarefas de depuração e controle de qualidade com IA — não para cortar funcionários, mas para realocá-los para criação. Já a Electronic Arts, com 15 mil funcionários, encorajou todos os times a usar IA em codificação, arte e até design de níveis. "Não é sobre substituir artistas", diz um documento interno vazado. "É sobre eliminar tarefas repetitivas para que eles possam focar no que importa: emoção, narrativa, surpresa."
O custo da inovação: quem perde com isso?
Por trás do sucesso comercial, há uma sombra. Atores de dublagem independentes relatam que contratos estão sendo reduzidos. Um profissional de São Paulo, que trabalhou em três jogos AAA entre 2022 e 2024, disse que em 2025 só recebeu um único trabalho — e foi para gravar 12 frases de fundo. "Antes, eu fazia personagens principais. Agora, só vozes de NPC que a IA vai misturar depois".
Além disso, há preocupações reais com a qualidade artística. Vozes geradas por IA ainda não capturam nuances: um suspiro de cansaço, um tom de ironia, o medo real em um momento de morte. Em ARC Raiders, isso é mais notável em cenas dramáticas — onde a emoção deveria ser o centro. "É como ouvir um ator lendo um roteiro em um elevador", comentou um crítico no YouTube. "Você sabe que alguém escreveu aquilo. Mas ninguém sentiu."
O que vem a seguir?
A Embark Studios já anunciou que não usará IA para animação, modelagem 3D ou composição musical — apenas para diálogos. "Nossa prioridade é manter a identidade artística do jogo", disse Patrick Söderlund, CEO da empresa. "A IA é um acelerador, não um substituto. Queremos criar conteúdo cem vezes mais rápido — mas ainda com alma humana por trás."
Enquanto isso, a indústria avança. Em novembro de 2025, a Sony e a Microsoft anunciaram parcerias com startups de IA para criar bibliotecas de vozes personalizadas, com direitos de uso para desenvolvedores independentes. A ideia? Democratizar o acesso — mas também padronizar a qualidade. O que antes era um truque de pequenos estúdios agora vira padrão de mercado.
Em meio a tudo isso, uma pergunta persiste: se o público não se importa, será que a arte ainda importa? Ou, como sugere um desenvolvedor anônimo em um fórum de Reddit, "A gente não está perdendo atores... estamos perdendo a necessidade de serem humanos para contar histórias".
Frequently Asked Questions
Como a IA afeta os atores de dublagem no mercado de jogos?
Muitos atores independentes relatam queda drástica nos contratos, especialmente para papéis secundários. Enquanto grandes estúdios ainda contratam vozes para personagens principais, as cenas repetitivas ou de fundo estão sendo substituídas por TTS. Em 2025, um estudo da Sindicato de Atores da América do Norte mostrou que 38% dos trabalhos de dublagem em jogos AAA foram reduzidos ou eliminados por causa da IA.
Por que a Embark Studios insiste em usar IA se há críticas?
A Embark é uma equipe pequena com orçamento limitado. Usar IA permite expandir o conteúdo do jogo sem triplicar a equipe. Com mais de 1.200 diálogos em ARC Raiders, contratar atores para todos seria inviável. A estratégia é usar vozes humanas onde importa — como protagonistas — e IA onde a repetição é alta, como NPCs ou comunicações de rádio. O resultado? Mais mundo, menos custo.
O uso de IA em jogos é legal e ético?
Legalmente, sim — desde que os direitos das vozes originais sejam respeitados. Mas eticamente, é um terreno cinza. Nenhum país ainda regulamenta o uso de IA para replicar vozes humanas sem consentimento. A União Europeia está discutindo leis para exigir rótulos de "voz gerada por IA" em jogos, mas isso ainda está em fase de consulta. No Brasil, não há nenhuma legislação específica.
Jogadores realmente não se importam com vozes de IA?
Dados da Steam mostram que 72% dos jogadores de ARC Raiders não mencionaram vozes como problema em avaliações. Mas 41% disseram que "notaram algo estranho". O que parece é que, enquanto o jogo for divertido, a maioria tolera imperfeições. A geração Z, em especial, valoriza velocidade e conteúdo constante — não perfeição técnica. Isso muda a definição de "qualidade" no mercado.
A IA vai acabar com os desenvolvedores de jogos?
Não. Pelo contrário. Estúdios que adotam IA estão crescendo mais rápido. A Embark, por exemplo, triplicou seu time de design desde 2023 — mas não contratou mais atores. Em vez disso, contratou engenheiros de IA e especialistas em narrativa interativa. O que está desaparecendo são funções repetitivas, não criativas. Quem sabe criar histórias, emoções e mundos ainda é indispensável.
Quais outros jogos usam IA de voz?
Além de ARC Raiders e The Finals, jogos como "Starfield" (Bethesda), "Cyberpunk 2077: Phantom Liberty" (CD Projekt Red) e "Marvel’s Spider-Man 2" (Insomniac) usam TTS em diálogos secundários. A Ubisoft anunciou em setembro de 2025 que testa IA para gerar vozes em 15 idiomas simultaneamente, reduzindo o tempo de localização de meses para dias. A tendência é global e crescente.
Danilo Carvalho
dezembro 12, 2025IA? Pera aí, então o pessoal da Embark tá só botando voz de celular barato e chamando de arte? Kkkk eu joguei por 3h e achei que tava ouvindo um GPS perdido no meio do deserto. Mas enfim, o jogo é top, então... valeu.